O debate mediático gerado em torno de Iron John: 
a book about men
e de robert bly

EuroPROFEM - The European Men Profeminist Network http://www.europrofem.org 

 

Précédente ] Accueil ] Remonter ] Suivante ]

  

O debate mediático gerado em torno de Iron John: 
a book about men
e de robert bly

Este capítulo é o produto da análise dos 24 artigos (Publicados nos Estados Unidos entre 1990 e 1996, sendo artigos de opinião tanto de revistas como de jornais) selecionados com o intuito de compreender o debate gerado por Iron John na imprensa norte-americana.

Ao sintetizar esse debate procurei identificar os pontos de consenso, de conflito, e as clivagens que se estabeleceram entre os artigos. Além disso, tive a oportunidade, por um lado, de compreender que a essência de toda esta polémica reside na forma como Bly define a verdadeira masculinidade. Por outro, pude verificar que as bases do argumento político por ele defendido, a psicologia e a mitologia, estão ausentes deste debate.

Dada a diversidade de pontos de vista expressos nos artigos, optei por criar um fio condutor que me permitisse ordenar os seus temas, comparar as diferentes perspectivas apresentadas relativamente a cada um desses temas, e confrontá-las com a posição assumida pelo autor, no livro. Desta forma, o presente capítulo encontra-se subdividido em cinco grandes grupos temáticos.

O primeiro refere os aspectos biográficos de Robert Bly enquanto autor do livro Iron John e líder do movimento mitopoético. O segundo aborda a questão da crise por que passa a sociedade americana, no que concerne à definição das identidades de género, através da listagem de alguns títulos de obras publicadas a tal respeito. O terceiro aborda a dualidade teórica relativa à definição das identidades de género, pela confrontação das teorias essencialista e construtivista, teorias estas cujas premissas perpassam vários dos artigos em análise e que chegaram mesmo a ser citadas por um dos autores. O quarto grupo temático centra-se na crise masculina propriamente dita, focando temas como a definição da masculinidade, as imagens masculinas (positivas e negativas) mencionadas nos artigos, o indivíduo em crise, a sua falta de equilíbrio emocional, os factores históricos e sociais que propiciaram o surgimento da crise de identidade, a busca das energias masculinas enquanto meio para alcançar a verdadeira masculinidade, e a homofobia. O último grupo temático foca a superação da crise. Embora não esteja patente uma solução, tal como o fez Bly no seu livro, aqui são apresentados os factores que têm vindo a contribuir para que o homem norte-americano supere a crise masculina: o movimento masculino, em particular o movimento mitopoético, os encontros promovidos no âmbito deste movimento e Iron John: A Book about Men, uma vez que o referido livro é o produto da prática de Robert Bly dentro do movimento mitopoético, segundo Susan Faludi e Charles Gaines. Em todos estes grupos serão apresentadas as opiniões a favor e contra Robert Bly, sempre que estas tenham surgido, tal como os exemplos da referida dicotomia teórica que opõe os essencialistas aos culturalistas. Dicotomia essa que assenta em perspectivas distintas para a posição dos sexos na sociedade, em termos de papéis sociais.

I. A biografia de Robert Bly:

Neste primeiro grupo surgiram dois temas ligados ao livro Iron John e à participação de Robert Bly no movimento masculino e no mitopoético. O primeiro deles foca a conexão existente entre a construção, pelo autor, dos arquétipos materno e paterno, no referido livro, e a relação da imagem arquetípica com a imagem que Bly tem dos seus pais. O segundo foca o carácter multidimensional da personalidade de Robert Bly.

Tanto Bly, como alguns dos autores dos artigos coligidos, estabelecem uma relação directa ente o modo de ser e de agir dos pais de Robert Bly e as imagens materna e paterna difundidas pelo livro, de tal forma que este casal funciona como base estruturadora dos arquétipos materno e paterno aí apresentados. O próprio Bly, em várias passagens do livro, menciona aspectos da sua relação com os pais, a fim de exemplificar a teoria que defende em Iron John.

When I was two or three years old, I went to my father and asked him for protection. But he was an intense man, and being with him felt more dangerous than being out on the street. I then went to my mother, and asked her for protection. At the instant she said yes, I went numb from my neck down to my lower belly. … Perhaps I had a genetic expectation that my father would protect me, and when that didn’t happen, I went numb from the shock of it. It’s possible that I knew, or thought I knew, that if I accepted my mother’s protection, I would have to learn to feel as a woman feels. But I was a man, and so I decided to have no feelings at all.(Simon, Barry, "Iron John: A Book About Men, by Robert Bly", Archives of Sexual Behavior, vol. 23. (Agosto de 1994): 483), (Bly, 1992: 67).

De acordo com Barry Simon, Robert Bly interpreta o conto dos irmãos Grimm segundo as suas experiências pessoais, assumindo-se como o modelo/exemplo dos fundamentos da sua teoria.

Bly interprets the entire Grimm’s story, at times with great latitude, to make his own points. Whether it is his feelings about the Vietnam war, academia, daily regiment living, he explicitly defines his own biases and beliefs about the good life. (Simon, Barry, "Iron John: A Book About Men, by Robert Bly", Archives of Sexual Behavior, vol. 23. (Agosto de 1994): 483)

No final da década de 1960 Robert Bly era uma importante figura ligada ao movimento pacifista, adquirindo grande notoriedade social em 1968 quando recebeu o National Book Award pelo seu livro The Light Around the Body. Desde então tornou-se socialmente conhecido como escritor e poeta. Nesse mesmo ano iniciou um ciclo de palestras sobre mitologia, especialmente dedicado às mulheres. Na década seguinte, toma consciência, por assim dizer, da crise por que passam os homens americanos da classe média, facto este que, associado aos seus estudos sobre mitologia, levam-no a procurar um conto de fadas através do qual pudesse construir uma teoria a respeito da verdadeira masculinidade. Charles Gaines defende que Iron John: A Book about Men é o produto final desta busca.

By 1981, when he ran his first all-male Workshop in New Mexico, he had found the story (an ancient one, first set down by the Grimm brothers in 1820) that would become the wellspring of that work. For years he massaged the story, played with it, tried it out on the men in his Workshop and on Bill Moyers in the 1989 PBS television show A Gathering of Men, which first brought him large-scale public attention. Finally, after ten years of working this ten-thousand-year-old tale for meaning, Robert Bly sat down and wrote a book about the story of Iron John. (Gainess, Charles, "Robert Bly, Wild Thing", Esquire, Vol. 116, (Outubro de 1991): 126)

Ainda a este respeito, Jill Johnson relaciona a ascenção de Bly à esfera pública ao backlash:

Just when the backlash against the progress made by women took form at the beginning of the 80’s, Bly was emerging from what he sees as a certain lifelong, unhealthy identification with his mother and women, to discover his estranged father. Bly became a champion of men at a time when many males were enduring a crisis of masculine identity in the wake of feminism. … The backlash has hit women along every front, and The Iron John has been its most successful literary product. (Johnson, Jill. "Why Iron John is no gift to women." The New York Times book Review. (23 de Fevereiro de 1992): 28 e 29)

O impacto de Iron John e do movimento mitopoético, liderado por Bly, foi de tal ordem que ele passou a ser socialmente reconhecido de diferentes formas, tais como: autor, poeta, expert em mitologia, figura emblemática do movimento masculino, guru pop dos americanos, pai do movimento de consciência masculina, líder do movimento masculino, showman, e mentor espiritual e poético deste mesmo movimento.

II. A crise americana nas identidades de género vista através da produção literária:

Michico Kakutani refere que nas últimas décadas a produção literária americana sobre a guerra dos sexos tem-se multiplicado, o que revela o interesse crescente do público acerca deste tema.

Certainly it’s no secret that books about the gender wars fly out of bookstores. There is a lot of anxiety out there about the shifting roles of men and women, not to mention the time-honored difficulties of courtship and marriage, and that anxiety sells a lot of books. (Kakutani, Michico,; "Beiond Iron John? How About Iron Jane? Critic's notebook." The New York Time, (23 de Agosto de 1993): 1)

 

Nesse mesmo sentido, Richard Shweder (Shweder, Richard. "What do men want? A reading list for the male identity crisis". The New York Time. (9 de Janeiro de 1994): 3) apresenta uma listagem de títulos de livros não académicos, que abordam as relações entre os géneros, mas principalmente a questão da crise masculina: The end of manhood, de John Stoltenberg; Myths of masculinity, de William G. Doty; Not guilty, sem autor especificado; Why men hate women, Men, ambos também sem autor especificado; Boys will be men: masculinity in trouble times, de Richard A. Hawley; The myth of male power: why men are the disposable sex, de Warren Farrel; The lover within, de Robert Moore e Douglas Gillette; e American manhood, de E. Anthony Rotundo. E por outro lado, Charles Gaines afirma que, se alguém deseja saber quais são as razões pelas quais lutam os americanos que aderiram ao movimento masculino devem ter em conta

Just a few of the periodicals you could dip into are Man!, Wingspan, Changing Men, and Journeymen. The Inner Male: Overcoming Roadbloks to Intimacy, The Hazards of Being Male, The Flying Boy: Why Men Run from Relationships, Oedipus Variations, The Phalic Quest, and Fiding Our Fathers, are just a few books. (Gaines, Charles. 1991: 127)

Relativamente a este sentimento de crise e de insegurança que alastra por toda a sociedade, Carin Rubenstein (Rubenstein, Carin. "Parent & Child: new advice on how to raise little boys to be a good men", The New York Times. (11 de Agosto de 1994): 4)

aponta, como exemplo, a alteração de certas práticas didácticas na educação dos rapazes, salientando principalmente a importância, dada pelas mães, à forma como os seus filhos lidam com as emoções: "It's important for boys to show they have feelings (...) it makes them better men." (Ibidem 4)

III. Entre o essencialismo e o construcionismo:

Conforme terei oportunidade de demonstrar no capítulo que se segue, ao longo de décadas, ou mesmo séculos, as teorias construidas a fim de justificar os papéis de cada género na sociedade têm variado segundo os paradigmas vigentes. Neste momento parece-me, à luz do material coligido, que o confronto principal, em termos de teorias do género, se dá entre o essencialismo e o construcionismo, ou culturalismo, como define Richard Shweder (Shweder, Richard. 1994: 3)

Este autor aborda a questão da dinâmica na definição das identidades de género, através da enuciação destas duas teorias que, no seu entender, são fundamentais para compreender o assunto. Trata-se de teorias diametralmente opostas, visto que o essencialismo aborda a definição da identidade do género como resultante da determinação biológica, e o construcionismo entende-a como o produto de uma dada cultura num tempo e espaço definidos.

Essentialism is the idea that men (or women) are by nature (fill in the blank). It is a familiar idea. Men are strong, violent and well suited for the hostilities of the battlefield or prison. Women are nurturing and sympathetic and well suited to care for children and be guardians of the home. Nature (anatomy, neurology, genetics, hormones, temperament, anima) is destiny, and that sort of stuff. A variation on this view, based on the observation that women are permitted to wear either pants or dresses, is that women do not have an essence, only men do. … The antithesis of essentialism might be called accidentalism. Accidentalists believe that the only natural difference between men and women is their sex (penises vs. vulvae). All the rest is gender, and when it comes to gender everything just gets made up. … According to the accidentalists, the sex typing of tasks, tastes and talents is not natural, self-evident or divinely given. Definitions of what it means to be a man (or a woman) change. Each historical epoch fashions its own definition. (Ibidem 3)

Tanto Bly, quanto os seus simpatizantes, entendem a construção das identidades de género segundo a teoria essencialista (Opto por não desenvolver esta questão neste momento e com isso justificar-me de uma forma mais clara, uma vez que no terceiro capítulo irei desenvolver este tema), ao passo que os seus oponentes entendem-na segundo as premissas da teoria contrucionista. Devo, porém, ressalvar que em nenhum outro artigo estas teorias foram explicitamente mencionadas. A identificação desta clivagem de opiniões deu-se através da análise das posições tomadas pelos autores e à forma como as defenderam, ou seja, como as justificaram.

Um dos exemplos do impacto do essencialismo defendido por Bly é-nos dado a conhecer por Michiko Kakutani, que refere o aparecimento da imagem feminina da Iron Jane na obra de duas americanas (Clarissa Pinkola Estés, autora de Women Who Run with Wolves: Myths and Stories of the Wild Woman Archetype, e Marianne Williamson, autora de A Woman's Worth) como produto de uma nova vaga na guerra entre os sexos, que preconiza a volta ao "natural" papel feminino e masculino.

In the 1980’s, the women’s movement begat the men’s movement, which in 1990 begat a boisterous best seller by the poet Robert Bly called "Iron John". Now "Iron John" has indirectly begotten two other best sellers that attempt to transfer Mr. Bly’s shamanistic advice from the world of men to the world of women. (Kakutani, Michico. 1993: 1)

Ao comparar o livro de Bly a estes dois, Kakutani define-os como defensores dos verdadeiros modelos de feminilidade, uma vez que preconizam a busca da essência feminina, isto é, a volta aos antigos papéis sociais femininos. Segundo Marianne Williamson, a busca da verdadeira feminilidade é necessária, pois a deusa ou divindade, que é suposto incoporar qualidades femininas (como a intuição e a cura), tem sido eclipsada por uma sociedade regida por estruturas e modos de pensar masculinos, nomeadamente por valores como a agressão, o poder, a força, a dominação e o controle.

This is a book about a woman’s inner life. Here, we are our real selves. … We have forgotten the part we came here to play. We have lost the key to our own house. We’re hanging out outside the door. The stress of being away so long from home is hurting us, even killing us. We must not stay away; we must find the key (Williamson, Marianne. A Woman's Worht. New York: Random House, 1993: 5)… Electing women to positions of political power does not in itself guarantee the expression of a feminine voice in the external world. Once in power, women can be tempted to conspire with paternalistic system that they feel has so magnanimously allowed them a place at the table. (Ibidem119) … Women must remember the sacred nature of our Goddess self, the call to glory inherent in human incarnation. We are daughters of history and mothers to a new world. (Ibidem 118)

Clarissa Pinkola Estés afirma, na introdução ao seu livro que:

My life and work as a Jungian analyst and "cantadora", storyteller, have taught me that women’s flagging vitality can be restored by extensive "psychic-archeological" digs into the ruins of the female underworld. ( Estés, Clarissa Pinkola. Women Who Run with Wolves: myths ans stories of the wild woman. 2ª edição. London: Rider, 1993: 3)

Revelam-se desta forma alguns dos pontos em comum com Robert Bly tais como: a utilização da psicologia Jungiana, a recorrência a um determinado tipo de histórias que facilitem à mulher recuperar a Mulher Selvagem, e a essência feminina.

Kakutani afirma ainda que estas três obras trazem latente um sentimento de nostalgia dos tempos passados, entendidos como emblemáticos, tanto da verdadeira feminilidade (tempo das grandes matriarcas, das deusas, das líderes espirituais e das curandeiras) como da verdadeira masculinidade (o tempo em que os homens eram reis e guerreiros). Mas igualmente a visão de um tempo sem diferenças socialmente claras, posto que todos os homens eram reis (na visão de Robert Bly) ou todas as mulheres eram rainhas (na visão de Marianne Williamson e de Clarissa Pinkola Estés).

Dadas as limitações a que esta monografia está sujeita, torna-se impossível desenvolver esta questão suscitada por Kakutani, apesar de sentir-me extremamente motivada nesse sentido. Desta forma, a alusão a estas duas obras assume aqui uma segunda função, a de exemplificar a importância da obra de Robert Bly enquanto formadora de uma nova concepção das identidades de género. Este é o valor acrescentado que o artigo de Kakutani tráz a este estudo, para além de exemplificar uma das dimensões que o essencialismo está a assumir no seio da sociedade americana.

A crítica construtivista ao livro de Robert Bly pode ser exemplificada pela posição assumida pelas autoras Jill Johnson (Johnson,Jill. "Why Iron John is no gift to women." The New York Times Book Review (23 de Fevereiro de 1992): 28 - 32.) e Sharon Doubiago (Doubiago, Sharon. "Enemy of the Mother: a Feminist Response to the Men's Movement", Ms., vol. 2, (Março de 1992): 82-5).

Sharon Doubiago acusa o livro de Robert Bly de ser inflamatório, e o próprio autor de ser fundamentalista, pelo facto de Iron John ser um "devotional book". Ao mesmo tempo Jill Johnson condena a definição dos papéis femininos existentes no livro, pois a personagem materna é descrita como castradora, já que é ela quem guarda a chave da cela do Homem Selvagem, e a Princesa é descrita como um objecto, um troféu que o rapaz recebe no dia em que finaliza a sua jornada. Ainda a esse respeito, Johnson critica o facto de Bly se basear num modelo de mãe que não se coaduna com a realidade dos Estados Unidos, principalmente se for tido em conta o facto de que a maior parte das americanas trabalham fora de casa.

Tal como se pode apreender dos exemplos acima apresentados, de uma forma geral, os artigos a favor de Robert Bly partilham com este uma visão de certa forma rígida da construção das identidades de género, vendo, assim, as alterações existentes como algo de pernicioso, uma vez que a alteração do que é tradicional e "certo" provocou a crise masculina. Opinião oposta têm os que se rebelam contra o argumento de Bly, tal como tive a oportunidade de referir.

IV. A crise de identidade masculina:

A fim de seguir um encadeamento lógico dos temas que pretendo enquadrar neste subcapítulo, optei por iniciá-lo com a questão da definição da masculinidade. Procurar compreender a forma como os jornalistas, e o autor, definem a masculinidade é uma maneira de compreender a crise da masculinidade na perspectiva destes actores.

A definição de masculinidade:

Tanto no material analisado quanto no livro, Robert Bly define a verdadeira masculinidade pela negativa, ou seja, por exclusão. Masculino é aquele que está em profundo contacto com o Homem Selvagem, ou seja, que não é soft, New Age, etc..

De acordo com Jill Johnson, Bly, para definir o conceito de masculinidade necessitou de definir anteriormente o que para ele é o feminino e o masculino com base na teoria de Jung, entendendo-os como dois arquétipos:

Bly, like Jung before him, is caught up in the "archetypes" of the masculine and the feminine. Men and women are defined by a given nature, fixed and unalterable, cast as opposites (the feminine embodying Eros, the masculine Logos) in a system reflecting the political status quo, under the guide of political ignorance. Bly never grasped, it seems, the core concept of feminism, that the attributes of masculinity and femininity are cultural fabrications, rooted in a caste system in which one sex serves the other. (Johnson, Jill.1992: 33)

Esta citação vem, mais uma vez, comprovar a minha tese de que Robert Bly entende o masculino e o feminino, em termos ideais, numa perspectiva estática. Bly não nega a alteração das identidades de género, mas acredita que a verdadeira masculinidade e a verdadeira feminidade são o que sempre foram, distintas e complementares, onde os lugares correspondentes a cada sexo estão claramente definidos e onde um não ocupa posições que anteriormente pertenceram ao outro. No seu livro Bly define claramente os vários modelos de homens não masculinos, aqueles que se encontram afastados da verdadeira masculinidade, admite a existência de mais de um modelo deste tipo de homens, mas prega a existência de um único modelo para o homem realizado, em termos de identidade de género. "We talk a great deal about ‘the American man’, as if there were some constant quality that remained stable over decades, or even within a single decade." (Bly, Robert. 1992: 1) No que diz respeito aos modelos masculinos identificados no material em análise, tive a oportunidade de verificar que ocorreu exactamente o mesmo tipo de situação: predominam quase exclusivamente imagens masculinas que representam, ou representaram, a masculinidade ultrapassada.

As imagens masculinas

Em The Pillow and the Key, primeiro capítulo do livro de Bly, este traça uma breve panorâmica da forma de ser do homem americano desde a década de 1950.

In the fifties man was supposed to like football, be aggressive, stick up for the United States, never cry, and always provide. … The Fifties male had a clear vision of what a man was, and what male responsabilities were. … During the sixties, another sort of man appeared. The waste and violence of the Vietnam war made men question whether they knew what an adult male really was. … In the seventies I began to see all over the country a phenomenon that we might call the "soft male". (Ibidem 2)

A este respeito, nos artigos analisados, verifiquei que há um consenso quanto aos modelos que marcaram as décadas de 1950 - cujo exemplo de homem americano foi personificada pelo actor John Wayne - e de 1970, cujo modelo foi Alan Alda.

Estes modelos de masculinidade, longe de representarem modelos ideais, representam sim, facetas da masculinidade norte-americana, o que demarca claramente a existência da crise de identidade. Robert Bly refere que os modelos dos anos 50 e 70 representaram etapas no grau de evolução da masculinidade. Ao apontar os modelos ultrapassados defende a urgência de se construirem novos modelos de masculinidade e feminilidade, sendo neste contexto que propõe a adopção do modelo do Homem Selvagem, de Iron John.

O homem da década de 1980 é o soft male, um modelo de homem que, por não ter rompido o laço com a mãe, por ter um pai ausente, e por sofrer o impacto do discurso das feministas, se afastou da verdadeira masculinidade. Os soft males são, para Bly, "limp men with low self-esteem and a heightened vulnerability to women, men suffering a remoteness from their fathers and a feminization of sorts because of women’s movement" (Johnson, Jill. 1992: 29), quanto à forma de a sociedade definir o novo modelo de homem, mas também quanto ao desprestígio social de que os homens são vítimas. Para a década de 90, ao contrário das décadas anteriores, não é possível identificar-se o modelo masculino.

Para Rick Martin a imagem masculina da década de 1990 é um produto do women’s movement, do men’s movement e de todos os movimentos que modificaram os tradicionais papéis de género

The new leading man is neither the John Wayne tough guy of the 50’s nor the touchy-feely, sensitive guy personified by Alan Alda in the 70’s and parodied by ‘Mr. Mom’ (or its television spinoffs) in the 80’s. He is, rather, a product of the women’s movement, the men’s movement and all the others movements that have trashed traditional gender roles in recent years. He shuns swaggering machismo. He is painfully self-conscious with women. Urged by his partner to share his emotions, he finds himself unable to – and feels guilty about it. When faced with a crisis or almost any romantic situation, he is paralyzed. He freezes. He’s an inacting hero. (Martin, Rick. "What’s the problem? He won’t say". The New York Times. (7 de Novembro de 1992): 15)

O heroi inactivo descrito por Rick Martin aproxima-se da imagem do soft male descrito por Robert Bly, e no mesmo artigo é referida a opinião de Camille Paglia, para quem os homens dos anos 90 são os " 'nowhere men', blank and affectless" (Ibidem 15). Qualquer um destes dois modelos deixa transparecer uma certa angústia e incapacidade de adaptação à sociedade. Soft male, herói inactivo ou nowhere men. Três imagens masculinas identificadas com a década de 1990 e que têm em comum a angústia de se sentirem desadaptados da sociedade americana.

Richard Shweder refere a socióloga americana Kathleen Gerson, professora da Universidade de Nova York e autora de No man’s land. Segundo Shweder, esta socióloga construiu o modelo do novo homem como sendo

An ‘involved male’ who shares domestic responsabilities with his working wife. The man Ms. Gerson would like to design would be committed to equity in the ‘second shift’ women work when they get home. … Her (Kathleen) interviews, however, document the existence of another type of new male, the ‘autonomous male’. ‘Autonomous males’ seem to have concluded that it is just too burdensome and time-consuming to oppress, protect or even just cooperate with another sex. They much prefer to avoid entanglements with women and to live alone. (Shweder, Richard. 1994: 3)

O próprio Richard Shweder salienta que poderá haver ainda um segundo tipo de novo homem, o homem sensato, que, tal como a mulher sensata, aceita a explicação dada por algumas feministas de que os homens e as mulheres têm cérebros diferentes, acredita que o que é razoável para as mulheres não é, necessariamente, razoável para os homens. No que se refere ao ambiente de trabalho, o homem sensato prefere trabalhar com homens, já que um ambiente de trabalho onde predominem as mulheres, não é muitas vezes, o melhor local para trabalhar.

O último dos modelos masculinos identificados nesta colectânea é o do mau pai, definido por Sharon Doubiago. O mau pai é negligente, abusador e ausente. "But nowhere in the men’s literature I’ve seen is there a condemnation of this man. All the blame, typically, goes to the mother – because she is the opposite of him: too close." (Doubiago, Sharon. 1992: 84) Doubiago menciona que o próprio Bly refere que a mitologia está repleta de histórias de maus pais, como de facto o faz: "Mythology is full of stories of the bad father, the son-swallower, the remote adventurer, the possessive and jealous giant. Good fathering of the kind each of us wants is rare in fairy tales or in mythology." (Bly, Robert. 1992: 120)

Assim, Doubiago conclui que "by the There-You-Have-the Archetype reasoning, the True Father is a Bad Father" (Doubiago, Sharon. 1992: 84).

A masculinidade em crise:

Este conjunto de imagens masculinas revelam, segundo alguns autores, que o homem americano, branco e heterossexual, está a ser vítima de descriminação social. Segundo Hillman, colaborador de Robert Bly no movimento mitopoético, o americano branco e heterossexual sente-se profundamente descriminado, principalmente tendo em conta os homens negros, os homossexuais, e as mulheres. Hillman critica a política da discriminação pela positiva entendendo-a como a causadora desta discriminação masculina. O folheto divulgado pelo The National Organization for Men Inc., entitulado: "To Join the Fight Against the Erosion of Men's Rights", é um exemplo disto. Nele os membros desta organização comprometem-se a repudiar qualquer tipo de resolução do Congresso americano relativamente à affirmative action. Tudo isto porque estes também se consideram um grupo minoritário e socialmente discriminado exactamente por causa desta política. A questão principal é, então, a diminuição do status do homem (branco e heterossexual) na sociedade americana, o tipo de exigências que lhe são feitas principalmente no que concerne aos seus sentimentos. Para Hillman, no momento em que os homens se tornaram mais sensíveis, imediatamente se esqueceram das suas tradicionais capacidades enquanto homens, opinião partilhada por Robert Bly. Confrontados com uma crise doméstica, os homens decidiram expressar os seus sentimentos, mas ninguém os queria ouvir. Bouchier (Bouchier, David. "The last big roundup for real men". The New York Time. (18 de Julho de 1995): 19) refere também o facto de que, em pelo menos metade dos lares americanos, a mulher ganha tanto quanto o homem, e que, em outros casos, ela ganha mais do que o homem, reduzindo o elemento masculino a um cidadão de segunda, e acarretanto a discriminação da figura paterna.

Bouchier inicia a sua análise sobre a crise da masculinidade referindo a iniciativa tomada por Calvin Coolidge em 1925, ao institucionalizar o Dia do Pai. No seu entender este é o primeiro indício de que algo se passa de errado na forma como os pais são vistos, porque "when we need a special 'Day' to draw people's attention it is already a lost cause. (...) The only point of these days is to remind us of things we would otherwise forget" ( (Ibidem 19). Resta a pergunta: e o Dia da Mãe?

Homofobia:

Tal como tive a oportunidade de referir, a homofobia é um sentimento que tem dificultado a união e coesão entre os membros do sexo masculino, nomeadamente no que se refere aos heterossexuais. A relação do homem consigo próprio passa pelo que Hillman define como a relação homem-homem. Em sua opinião o sentimento de homofobia é o maior obstáculo ao bom funcionamento das "Workshops: homophobia as a major obstacle to mentor relationships between older men and young men." (Shewey, Dom. "Town meeting in the hearts of men", Village Voice. (11 de Fevereiro de 1992): 41) Porém Hillman não esconde o receio suscitado pela presença dos homossexuais nestes eventos, referindo que trinta por cento dos participantes do encontro em Santa Fé e de outro em New York eram gays, bissexuais ou indivíduos que preferiram não declarar a sua tendência sexual. Porém, na tentativa de parecer politicamente correcto afirma:

Gay men have some things to learn from these gatherings about overcoming passivity and asserting their purposefulness, and they have many things to teach: male display as a substitute for combat, expressing grief, celebrating diversity. (Ibidem. 1992: 41)

Stoltenberg partilha com Hillman o mesmo sentimento no que concerne à intimidade homem-homem, entende que a descrição da masculinidade em termos negativos é o resultado do medo que os homens sentem uns dos outros, de partilhar uma intimidade, de reciprocidade e justiça.

Ainda a propósito da questão da homossexualidade, Kirsty Milne (Milne, Kristie. "Every day is mother's day". New Statesmen & Society. (19 de Março de 1993): 14-6) declara que apesar de todo o impacto que o feminismo exerceu sobre os modelos femininos e masculinos, principalmente no que toca à forma de sentir masculina, a conclusão a que chega é que, apesar de todas as alterações ocorridas, somente aos filhos gays é socialmente permitido expressar livremente a sua devoção filial, bem como aos artistas. Ou seja, expressar aquilo que no senso comum é rotulado como "o lado feminino" dos homens.

A Revolução Industrial e o movimento feminista:

Tal como no livro, neste conjunto de artigos a Revolução Industrial e o movimento feminista surgem como responsáveis pela crise masculina. George Myers (Myers, George, Jr., "Iron John: an interview with Robert Bly", Literary Review, vol. 35. (Primavera de 1992): 411) refere que o homem, desde o advento da Revolução Industrial até aos nossos dias, foi abandonado três vezes: pelo pai, pelo avô e pela mulher, apontando-os como os responsáveis pela crise masculina.

From the time after the Industrial Revolution, men have left abandoned by their fathers and that abandonment is quite real. Then they are abandoned by their grandfathers because their grandfathers have gone to Phoenix, or they’re just plain gone and there’s no one to tell the younger men stories, and so on. To some extent men also have been abandoned by women. You can feel that men have depended on women to initiate them or help them in some way. So in a certain way, men have been abandoned by women in the last 34 years. (Ibidem 411)

Estes abandonos afectaram profundamente o homem, dificultando a sua relação com os seus sentimentos. Este é exactamente o principal aspecto focado nestes artigos.

Robert Bly, no artigo de Trip Gabriel, menciona que ele e os seus seguidores têm sido educados a não expressar sofrimento ou dor, e que ainda estão profundamente marcados pelo modelo de masculinidade representado por John Wayne: a imagem do cowboy - o herói solitário. Segundo Bly, o momento em que começou a refletir sobre isso está relacionado com o vício do seu pai: "It was until I began to think over what it means for my brother and myself to have an alcoholic father, who really preferred a bottle to us." (Gabriel, Trip. "At home-away-from-home with: Robert Bly, now banging the drum slowly", The New York Times. (16 de Março de 1996): 1).

Tendo em conta que a afectividade é a parte mais atingida pela crise de identidade masculina, a resolução da mesma passa pelo reencontro da harmonia nesta área da psique.

Robert Bly, ao responder a George Myer, a respeito dos procedimentos necessários para que os homens superem os traumas consequentes dos abandonos sofridos afirma que

So what we have to do now is find out what our nature is. Robert Moore (Colaborador de Bly no movimento mitopoético) gives an answer to that. He says the basic nature of men has four quadrants in it. One is the king, another is the warrior energy, another is the lover energy, and the fourth one is what he calls the magician energy, or the energy that wants to understand everything. Academics primarily live in the fourth quadrant. But no one man has a single nature. You’re not only a warrior or only a lover; you have at least four natures. I’ve added to that the Wild Man and others. So, the feeling is that if we keep working at this we’ll be able to get a sense of how complicated the male psyche is, and what various male souls have in common with others. (Trip, Gabriel, 1996: 411-412)

Após tomar consciência do que é ser uma pessoa masculina, das causas da crise de identidade, há que actuar no sentido de superar a crise. Esta superação consiste (Tendo como base a análise de conteúdo desenvolvida) na adopção da mitologia e da psicologia; em compreender a função dos ritos; o papel do Iron John: A Book about Men neste processo, o papel da mãe e a sua relação com a chave e do movimento masculino, entre outros aspectos.

V. A superação da crise:

Os ritos

A solução para a crise de identidade masculina passa fundamentalmente pela criação de rituais iniciáticos. Robert Bly refere que estes devem ser coordenados por homens mais velhos, os quais deverão lançar mão de contos, fábulas e mitos, já que aí reside o conhecimento. A vantagem desta prática é a de incentivar o convívio e a intimidade entre os homens. Outra forma de complementar a iniciação masculina é a adopção de práticas como drumming, uma vez que Robert Bly entende que esta prática honra o corpo. Bouchier afirma que

Robert Bly argued that men have to reclaim their masculinity by traveling back to their primitive roots. We must unleash the wild man inside all of us. Mr. Bly recommends tribal rituals for men , like going into the woods and drumming, to rediscover primal rhythms. (Bouchier, David. 1995: 19)

No artigo "Women Explore a Percurssive Path of Expression" (Especial para o New York Times, S/ autor, (2 de Janeiro de 1993): 27), Ms Gnesin defende que esta não é uma prática exclusivamente masculina, pois existem grupos de mulheres que também estão a reunir-se, nas florestas, à procura da essência da feminidade através da recriação de rituais que incluem drumming.

Robert Bly salienta, ainda, que para um jovem tornar-se um adulto não lhe basta o crescimento físico, este tem de crescer espiritual e psicologicamente, sendo a função dos ritos promover o crescimento psiquico e espiritual. Por isso, para que seja possível uma sociedade na qual as mulheres e os homens se identifiquem como irmãos, sibling society, é imprescindível que, em termos de identidades de género, esta seja composta por homens masculinos e mulheres femininas.

Os ritos iniciáticos têm a função de induzir o iniciando a reencontrar a sua masculinidade, tal como afirma Bly em Iron John, mas em termos de percepção desta funcionalidade, por parte destes autores, o aspecto mais relevante do argumento de Robert Bly é a relação entre a mãe e o filho.

Desta forma Sharon Doubiago associa a definição da verdadeira masculinidade à questão da chave e à relação mãe-filho definida por Robert Bly:

The True masculinity ... is not about dominance, or aggression, or severance, or sick sex, or being 'set apart' or putting on false robes. We need to realize the fathers' intent to crucify our sons. The corpse we carry around in our arms is also our grandmother's lost son __ our pitiful father. The key to the true masculine is under our pillows. (Doubiago, Sharon. 1992: 85)

A relação da mãe com a chave da cela:

Robert Bly afirma que o primeiro passo para o reencontro do homem com a sua verdadeira masculinidade consiste em conseguir tirar a chave que está de baixo da almofada da mãe, para abrir a cela onde o pai mandou prender o Homem Selvagem. Mas Sharon Doubiago refere que uma leitura feminista sobre a questão da chave sugere um significado oposto ao de Bly. "The key to the man who is in touch with is soul is the boy's mother" (Doubiago, Sharon. 1992: 85). Assim sendo, Doubiago argumenta que Robert Bly baseia-se na noção de incesto segundo Freud. Por outro lado, Veronique Vienne (Vienne, Veronique "Iron John: a lover’s tale". Mother Jones. (Março/Abril de 1993): 26-33) analisa a questão da chave da seguinte forma:

In Iron John, the young hero must steal the key from under his mother's pillow in order to free himself. In modern fairy tales, a boy can only become free if he is willing to steal the key hidden in his mother's kitchen drawer. If Terry (Vienne, Veronique. 1993: 31) (Ex-namorado da autora, recentemente falecido, que era considerado por Robert Bly a encarnação do Homem Selvagem, sendo inclusivé mencionado no livro deste autor) had been allowed past the pantry door and had learned to bake cookies, he might have been a well-adjusted child __ and there would have been no story. (Vienne, Veronique. 1993: 31)

Tanto Doubiago quanto Vienne consideram que a forma do rapaz encontrar a sua verdadeira masculinidade é através da mãe, mas não da maneira defendida por Robert Bly.

Kirsty Milne (Milne, Kristie. 1993: 14) declara que na década de 1970 ocorreu um movimento gerado por feministas, escritores e psicanalistas, no sentido de alterar a forma como era vista a relação mãe-filho, com o objectivo de humanizar a imagem que se tinha desta relação, desmistificando, assim, aspectos como o poder castrador e controlador que as mães exercem sobre os seus filhos.

Nancy Chodorow (Milne, Kristie. 1993: 15) partilha a opinião de Bly, pois para que se estabeleça a identidade masculina, no rapaz, este tem de negar e desvalorizar, em si próprio, as qualidades femininas que estão associadas à mãe.

Partidárias de uma visão mais feminista, e construcionista, desta questão Doubiago e Minette Marrin contestam as posições acima apresentadas. Minette Marrin, colunista do Sunday Telegraph (Ibidem 16), atenta para a possibilidade de um novo backlash, alertando os seus leitores para a forma como está a ser vista a relação mãe-filho. A sua crítica recai principalmente sobre a forma como Bly, e outros, definem esta relação, fazendo dela um bode expiatório.

A crítica ao livro Iron John:

Contudo, paralelamente a esta questão da relação mãe-filho e as implicações psicológicas daí resultantes, permanece a polémica suscitada pelo livro, em termos gerais. Por um lado a obra é reverenciada por alguns exactamente por apresentar uma alternativa viável à real crise de identidade sentida pelos homens norte-americanos; por outro é entendida como demasiado genérica e pouco profunda. Para Barry Simon, Bly é reducionista, simplista e dogmático, para além de ser pouco explícito acerca do que entende por falta de iniciação masculina.

The two major triumphs of this book are in its emotional force and paradigmatic shift. Kuhn [Kuhn, 1970, The Structure of Scientific Revolutions, 2nd ed., University of Chicago Press, Chicago.] described the two essential charateristics of a paradigm as a "sufficiently innovative to attract followers and sufficiently open-ended to leave all sorts of problems for the redefined group of scientists." Certainly, Bly has achieved Step1. Step 2 is achieved in the sense that Iron John is a new way of looking at late 20th-century man. (Simon, Barry, "Iron John: a book about men, by Robert Bly", Archives of Sexual Behavior, vol. 23. (Agosto de. 1994): 481-6)

Ao mesmo tempo Kirsty Milne refere que Iron John é uma obra de forte impacto ideológico, mas negativo no que diz respeito à mulher. Já Veronique Vienne salienta também que se trata de uma obra que induz os homens a interiorizarem o papel de heróis, o que no seu entender provoca uma sobrecarga de responsabilidade, acentuando ainda mais a crise. Porém George Blooston discorda desta opinião e cita o próprio Bly a esse respeito: "She realy wants a guy from the old school will take care of her, provide her with security. She wants the prince on the white horse." (Blooston, George. 1990: 76)

Robert Bly defende-se e refugia-se no cariz psicológico de contos como o de Iron John para fazer ressaltar a profunda bagagem psicológica aí contida. A vantagem de serem utilizados neste momento é que se beneficia de 80 anos de desenvolvimento da psicologia, dados os estudos de autores como Freud, Jung, Karen Horney, Alice Miller e Mary Louise von Franz. Sendo por isso que Bly os define como o local onde reside a verdade. Enquanto Charles Gaines ressalta a importância desta obra, pois vivemos numa sociedade sem rituais viáveis que introduzam o jovem na masculinidade adulta, sem procedimentos que, formalmente, levem o rapaz a tornar-se psicologicamente adulto, e onde os homens continuam a identificar-se com as formas de sentir femininas, transformando-se em soft males.

Os movimentos masculino e mitopoético:

A superação da crise masculina possui duas facetas, ou dois pontos de vista, distintos e complementares. Uma das facetas foi a que acabei de descrever, onde se enquadra o discurso teórico, por assim dizer, a respeito dos princípios de Robert Bly. A outra faceta enquadra a prática, ou seja, a aplicação destes princípios: trata-se do movimento masculino mitopoético e dos encontros promovidos no âmbito deste último.

O movimento masculino comporta sete subdivisões, ou sub movimentos, de acordo com Lance Morrow (Morrow, Lance. "The child is father of the man." Time. (19 de Agosto de 1991): 52-4).

In fact Bly’s calculation, there are at least seven different men’s movements: 1) a sort of right-wing men’s movement that is, in fact, frequently antifeminist; 2) feminist men; 3) men’s rights advocates who think, for example, men get a raw deal in divorce; 4) the Marxist men’s movement; 5) the gay men’s movement; 6) the black men’s movement, extremely important in Bly’s view because of the devastation to black males in America society; and, 7) men in search of spiritual growth, the Bly wing of the idea, dealing with menthors and "mythopoetics". The mythopoetic characters, Bly points out, are dividing into two groups: those concentrating on recovery and those, like Bly, who are interested in men’s psyches as explored by art, mythology and poetry. (Ibidem 53)

No que concerne à história do movimento masculino, Jill Johnson afirma que, desde o seu início, o facto de os homens se sentirem vítimas das mulheres tem marcado não só a criação, mas também o seu desenvolvimento. Nos anos 60 e 70 os homens estavam muito atentos ao que as mulheres diziam a respeito da opressão masculina. Mas actualmente levantam-se outras vozes, tal como Sam Keen, no seu livro Fire in the Belly, onde revela que os homens estão cansados de serem culpados por tudo. Robert Moore é da mesma opinião. Os Free Men, activistas dos direitos dos homens, que actuam principalmente em casos de divórcio e de custódia dos filhos, afirmam estarem cansados das culpas que são imputadas aos homens, segundo eles "all Wayne needs to do is get up out of the bed, start slamming a few feminists, male and female, around the room." (Gaines, Charles. 1991: 127)

Numa outra perspectiva, Lance Morrow refere-se ao men’s movement como sendo um fenómeno tipicamente americano:

It has that quality of Americans' making fools of themselves in brave pop quests for salvation that may be descendants of the religious revivals that used to sweep across the landscape every generation or so in the 18th and 19th centuries. The men’s movement belongs as well to the habits of the '60s baby boomers, who tend to perceive their problems and seek their solutions as a tribe. (Morrow, Lance. 1991: 54)

O movimento masculino aparece ainda retratado segundo quatro perspectivas: a masculina, a feminina, a política e a dos meios de comunicação social, nos artigos de Trip Gabriel, George Bloostom, Charles Gaines, Dom Shewey, entre outros.

A perspectiva masculina é mais de aceitação deste movimento do que de negação ou de crítica negativa. Trip Gabriel dá a palavra a Robert Bly, na defesa do movimento masculino, ao afirmar que

The men’s movement has fed into some broad cultural changes affecting men in the 90’s. The biggest influence we’ve had is in younger men who are determined to be better father then their own were. … Mr. Bly’s influence is visible in the brigades of nurturing fathers who push strollers on weekends, and even in the Million Man March, at which black men affirmed their responsabilities to families. (Trip, Gabriel 1996: 1)

A perspectiva feminina está principalmente relacionada ao papel da mãe e à forma como ela é descrita por Robert Bly, não tanto ao movimento masculino. Mas, se por um lado as mulheres não se detêem tanto neste ponto, os homens sentem a necessidade de contextualizar este movimento no universo do movimento feminista. George Blooston (Blooston, George. 1990: 72-7) aborda este tema afirmando que

Women have faced the problem of how to assert themselves in a man's world without merely imitating men; now men are learning through myths and their metaphors that there is a way to be powerful without being macho and a way to have feelings without feeling feminized. (Ibidem 74)

Charles Gaines foi o único autor que abordou a questão da projecção política do movimento masculino. Em sua opinião o men’s movement não tem tanta projeção política por tratar-se mais de uma exploração dos sentimentos do que da busca de medidas políticas para alterar a situação em que se encontram os homens, uma vez que o objectivo é reconstruir uma noção de masculinidade mais forte, mais viril. Finda a batalha por uma melhor masculinidade restam duas coisas a fazer: "first, we have to stop the game of war and go beyond a warrior ethic. Second, we have to become husbands of the earth once again." (Gaines, Charles. 1991: 128) Revelando uma visão tacanha da actividade política.

Contudo a pespectiva deste autor destoa da de alguns outros que focaram a questão da descriminação masculina. Destoa, inclusive, da opinião de várias associações ligadas ao movimento masculino, as quais lutam, exactamente, para dar maior visibilidade política à sua causa.

Entretanto, os principais críticos do movimento masculino e de Robert Bly, têm sido os meios de comunicação social. A opinião dominante nos artigos coletados é a de que de um modo geral os media têm divulgado uma visão bastante distorcida deste movimento, principalmente no que concerne à atitude de Robert Bly e às práticas por ele defendidas. Don Shewey (Shewey, Dom. 1992: 36-46) afirma que a atitude dos media tem sido bastante redutora e irónica, no que diz respeito à avaliação do movimento masculino.

So the media basicaly make fun of the whole thing. Mock the leaders, mock their attire, mock their rituals, reduce their ideas to cartoon clichés, mock the clichés, ignore the content, close the animal into a trap and kill it. (Ibidem 37)

Dom Shewey afirma que os media, de um modo geral, têm utilizado alguns aspectos do men’s movement ao qual Bly está ligado, satirizando-o, reduzindo as suas ideias a cartoon clichés. Tudo isto porque os meios de comunicação não podem captar algo que se passa no intimo de um indivíduo, a transformação espiritual não pode ser filmada, televisionada ou fotografada. Art Levine (Levine, Art. "Masculinities Champion." US News & World Report, Vol. 110. (8 de Abril de 1991): 62) defende esse mesmo aspecto, ao afirmar que recentes jornais e revistas apresentaram artigos a ridicularizar Bly, os seus rituais e as Workshops. Por sua vez Trip Gabriel exemplifica a forma satírica como o movimento mitopoético é visto, fazendo referência a um anúncio exposto em algumas cabines de telefone público de New York, que dizia: "Becoming a man doesn't have to involve beating drums or hugging a tree, and proposes drinking a brand of Scotch instead." (Gabriel, Peter. 1996: 2) E em se tratando de um spot publicitário significa que a questão de Robert Bly já se tornou numa questão de domínio público.

Shewey afirma que esta campanha negativa dos meios de comunicação social contra o men’s movement tem sido tão intensa que já acarretou uma deturpação no significado da palavra guru, uma vez que esta palavra passou a ter o significado de charlatão, numa alusão clara à pessoa de Bly, e não mais de pessoa que ensina, que conduz o indivíduo da escuridão para a luz. Contudo, na opinião do próprio Bly o men’s movement está a ser ridicularizado pelos meios de comunicação social tal como o women’s movement o foi em tempo idos, no qual as feministas foram rotuladas de "bras-burner" ou " man haters".

No que diz respeito ao movimento mitopoético, tive a oportunidade de verificar, que em alguns casos, como o exemplo acima demonstra, este é confundido com o movimento masculino, sendo entendido como uma versão do mesmo e não como uma parte do todo.

Em termos da ideologia difundida pelo movimento mitopoético, a fim de justificar a sua razão de ser, constatei que, genericamente, ele assume a função de levar o homem, através da práctica das Workshops, a entrar em contacto consigo próprio, motivar a solidariedade masculina e a auto-confiança.

Nesse sentido, as workshops promovidas por Robert Bly são compostas basicamente de leitura de poesia, de contos da mitologia clássica, russos ou do folclore celta, drumming e de debates. O entusiasmo que é gerado é de tal forma que Mark Lawson (Lawson, Mark. "The wild man mystique". World Press Review. (Dezembro de 1991): 40) transcreve uma frase de um participante do encontro em que esteve presente: Hell, this kind of happiness between men is wonderful, and I'm going home again, and my wife's gonna get on my ass ... My mom's gonna get on my ass (Lawson, Mark. 1991: 40).

Don Shewey, por exemplo, compara os fins-de-semana promovidos por Bly, Meade e Hillman ao teatro grego pois, se este constituia uma oportunidade para a comunidade se reunir e informalmente discutir os seus problemas, os encontros aqui referidos encorajam o grupo à intimidade, à troca de ideias e à socialização. Refere ainda que este movimento provocou a criação, em território americano, de um espaço ritual masculino, no qual os homens constroem todo um discurso sobre a masculinidade, a psique masculina, os sonhos, os desejos, as vergonhas e os rituais. E o mesmo autor faz uma distinção entre o tipo de homens que frequentam, realmente, este espaço, e aqueles que a sociedade pensa que frequentam, baseada na informação veiculada pelos meios de comunicação social:

Here are some of the kinds of men people think go to men's gatherings: macho men wanting to be macho together, wimpy men wanting to be macho men, gay men wanting to fuck each other. These, of course, are categories (along with 'yuppie' and 'New Age devotee') that few self-respecting middle-class American men would admit belonging to. (Shewey, Dom. 1992: 38)

Para além destes são mencionados mais quatro tipos de homens que frequentam, de facto, este espaço masculino. Os primeiros são os homens isolados: homens que se sentem isolados dos outros homens; os segundos são os homens feridos, cuja ferida pode advir de um processo de divórcio, do alcoolismo, da má sorte, do uso de drogas e/ou medicamentos, para além de um grande número deles terem sido molestados sexualmente enquanto crianças; os terceiros são os homens entorpecidos: trata-se de indivíduos que apresentam todos os sinais exteriores de sucesso, como uma boa carreira e uma feliz vida familiar, mas são homens que se sentem frustrados, com idades que variam entre os 32 e os 55 anos (Segundo afirma Dom Shewey), geralmente, e têm em comum o sentimento de que a vida está-lhes a passar ao lado; e os quartos são os homens responsáveis, que se sentem resposáveis pelos grandes problemas da humanidade como a pobreza, a fome, o racismo, a destruição do planeta, abusos de que são vítimas as mulheres e as crianças, entre outros, entendem que estes problemas devem-se principalmente ao sexo masculino, e acreditam que os homens também são vítimas do sistema patriarcal.

De acordo com o apresentado neste capítulo (a análise e a confrontação dos artigos, entre si, e destes com o livro revelou que, a par das demais questões suscitadas pelos mesmos artigos) um aspecto mostrou ser o ponto fulcral de todo o debate mediático gerado em torno de Iron John: A Book About Men: o da oposição entre os adeptos do essencialismo e os adeptos do construtivismo. Este Facto que pode explicar a ausência de um debate sobre o uso que Bly faz dos mitos, da mitologia e da antropologia na construção e justificação do seu argumento político.

A percepção da dinâmica, na definição dos modelos ideais de comportamento para as mulheres e para os homens, está directamente relacionado com a luta pelos direitos civis, pelo espaço, pela visibilidade e, principalmente, pelo poder na e sobre a sociedade.

Logo, compreender a forma como nos Estados Unidos interagem a sociedade e o mundo académico permite compreender a posição e os argumentos dos essencialistas e dos construtivistas, e assim perceber que valores estão por trás das afirmações e dos pontos de vista defendidos nestes artigos de opinião.

Neste sentido, e embora haja uma relativa variedade de pontos de vista sobre um mesmo objecto (Iron John) e uma mesma personalidade (Robert Bly), a questão central é a forma como os autores destes artigos encaram a posição das mulheres e dos homens na sociedade americana, em particular, e o papel de cada sexo nesta mesma sociedade.

Assim, e com o propósito de clarificar a relação entre as forças políticas, em sentido lato, e as teorias do género - principalmente a essencialista e a construtivista - o capítulo que se segue foca a teoria da masculinidade. Para tal optei por assumir uma postura didática, por assim dizer, e cronológica, pois entendo que o panorama apresentado nos dois primeiros capítulos torna-se mais facilmente compreensível se se tiver uma visão geral da forma como as mulheres e os homens se envolveram no movimento feminista dos anos 60 e a relação deste no conjunto dos demais movimentos sociais pelos direitos civis, ocorridos na mesma década nos Estados Unidos, influenciaram a produção académica relativamente às teorias do género.

 

  

 


Précédente ] Accueil ] Remonter ] Suivante ]